Cris Mochny

Zolpidem: o Rivotril da nova geração

Por: Cristiane R. Mochny

O Zolpidem é um fármaco hipnótico, utilizado para alívio da insônia, que se tornou popular nos últimos anos. O uso exagerado e inadequado levou a ANVISA a mudar as regras para dispensação do medicamento: a partir de xx/xx/xx passou a ser necessária a receita azul em duas vias, restringindo o acesso ao zolpidem em qualquer dosagem.

Como o zolpidem tem início de ação muito rápido, precisa ser tomado ao se deitar para dormir. Quando a pessoa toma o zolpidem e não vai imediatamente para a cama, fica sujeita aos efeitos adversos do zolpidem que podem ser muito perigosos. Pacientes descrevem situações atípicas, como encontrar a cozinha bagunçada ao acordar e não lembrar-se de ter levantado para cozinhar na madrugada; ou ainda mais grave, acordar com a batida do carro durante um episódio de sonambulismo. Estes eventos ocorrem durante um estado de semi-consciência e a pessoa tende a não lembrar do ocorrido.

O fato é que o zolpidem pertence a uma classe de fármacos GABAérgicos (substâncias que aumentam a ação do GABA produzindo inibição no sistema nervoso central) utilizado para a indução do sono, em casos de insônia. O uso prolongado do zolpidem leva ao desenvolvimento de tolerância, que é um processo de adaptação do organismo à substância. Assim, a pessoa precisa aumentar a dose para obter o efeito e passa a consumir doses cada vez maiores. No caso do zolpidem, este aumento de dose é particularmente perigoso, pois comportamentos complexos relacionados ao sono, como o sonambulismo, são relatados em doses mais altas. Ou seja, quanto maior o tempo de uso do medicamento, maior o risco de tolerância e consequentemente maior o risco de ocorrência destes eventos. Por isso, o uso deste medicamento para dormir deve ser feito com acompanhamento médico e por tempo determinado, privilegiando abordagens não-farmacológicas para a higiene do sono.

Como o zolpidem funciona na insônia?

Figura 1: Zolpidem: medicamento utilizado para insônia. É um fármaco da classe dos sedativos / hipnóticos utilizado na indução do sono. Sua estrutura química não é relacionada com os benzodiazepínicos.

O zolpidem é um fármaco com ações sedativas da classe dos não-benzodiazepínicos. É um agonista do receptor GABAA, seletivo para a subunidade alfa-1, o que significa que o zolpidem age especificamente sobre este alvo no cérebro. O GABA (ácido gama-aminobutírico) é um aminoácido inibitório, cuja ação no receptor causa hiperpolarização da membrana neuronal, tornando-a menos suscetível à excitação. Isto significa que o receptor GABA atua diretamente na inibição da atividade neuronal. Este receptor está localizado em um canal iônico, permeável ao íon cloreto, que é formado por 5 subunidades (α1–6, β1–3, γ1–3, δ, ϴ e π), sendo que a combinação das subunidades é diversa e a expressão destes subtipos de receptor GABAA também varia de acordo com a região cerebral. Sabe-se que a subunidade alfa-1 é crítica para o efeito sedativo, enquanto a subunidade alfa-2 é essencial para o efeito ansiolítico (Rudolph et al., 2001). O zolpidem tem afinidade (química) pela subunidade alfa-1 do receptor GABAA, e por isso atua estimulando este receptor. A hiperestimulação deste receptor, com doses terapêuticas do zolpidem, resulta na diminuição da atividade neuronal em várias áreas do cérebro, o que leva o indivíduo a sentir sono. Sua utilidade terapêutica consiste na indução do sono em pessoas com dificuldade para dormir, como em casos de insônia. Este medicamento possui tempo de ação curta, e por isso, doses de resgate (metade da dose inicial, preferencialmente pela via sublingual) podem ser necessárias durante a noite.

Figura 2: Representação esquemática do receptor GABAA, importante para a farmacologia da insônia. (A) O receptor GABAA é constituído de 5 subunidades, representadas pelas letras gregas alfa (α), beta (β) e gama (γ); está localizado em um canal iônico que quando aberto, permite a entrada de cloreto (Cl-) no neurônio, causando a hiperpolarização da membrana e consequentemente, inibição neuronal. (B) Vista superior do canal iônico, indicando o canal central por onde o cloreto flui, e os sítios de ligação para benzodiazepínicos e para o GABA. (Reproduzido com adaptação da legenda do trabalho de Vinkers et al., 2010, sob licença CC by 4.0)

Algumas considerações importantes sobre o tratamento da insônia com zolpidem.

Autoridades em saúde e especialistas recomendam que o uso de substâncias na insônia, para indução do sono, seja feito após uma avaliação dos distúrbios do sono por um médico. Conhecer as causas da insônia é fundamental para direcionar o tratamento. Recomenda-se que antes de iniciar um tratamento farmacológico para a insônia, deve-se tentar abordagens não-farmacológicas como mudanças no comportamento, higiene do sono, e terapia cognitivo comportamental. Em grande parte dos casos, a insônia é consequência de outras alterações fisiológicas e frequentemente está associada à ansiedade e exposição ao estresse crônico.

Como o zolpidem é um fármaco com potencial para desenvolvimento de tolerância, o uso crônico para alívio da insônia pode levar indivíduo a consumir doses cada vez maiores que o expõem a efeitos colaterais. Comportamentos complexos relacionados ao sono, como sonambulismo, tem sido relatado e aparecem de maneira dose-dependente. A ocorrência destes comportamentos é aumentada pelo consumo de álcool.

Em 2020 Westermeyer e Carr publicaram uma revisão feita a partir de dados da literatura coletados desde o ano 2000 acerca das consequências para a saúde do indivíduo associadas ao uso do zolpidem. Dentre os principais relatos, estão acidentes, quedas, superdosagens, delírios e infecções. Os riscos para os outros (pessoas próximas e sociedade em geral) incluem assaltos, acidentes com veículos, vários crimes e ações civis que ocorreram durante o delírio induzido pelo zolpidem ou na abstinência da substância. Destaca-se o fato que muitos danos ocorreram enquanto os pacientes estavam utilizando doses terapêuticas prescritas pelo médico. Por isso, cabe o alerta.

O uso prolongado (maior que duas semanas) de agonistas gabaérgicos pode estar associado à síndrome de abstinência. Além disso, por ser uma ferramenta de alívio do sofrimento causado pela insônia, apresenta potencial para o desenvolvimento de dependência psicológica, contribuindo para o agravamento dos casos de ansiedade. Por isso, é recomendado que seja assegurado o uso por curto período e que a retirada seja feita de forma gradual (diminuição gradativa da dose).

É importante também observar que para o tratamento da insônia em mulheres, deve-se utilizar metade da dose pois neste grupo os níveis plasmáticos estão 40% mais elevados que nos homens, o que potencializa o risco de efeitos adversos.

Referências:


NbN-2 Neuroscience based Nomenclature 2nd edition, European College of Neuropsychopharmacology): https://nbn2r.com/

Rudolph U., Crestani F., Möhler H. GABA(A) receptor subtypes: dissecting their pharmacological functions. Trends Pharmacol Sci. V. 4, p. 188-194. 2001

https://www.cell.com/trends/pharmacological-sciences/fulltext/S0165-6147(00)01646-1?_returnURL=https%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS0165614700016461%3Fshowall%3Dtrue

Vinkers C., Cryan J.F., Olivier B., Groenink L. Elucidating GABAA and GABAB Receptor Functions in Anxiety Using the Stress-Induced Hyperthermia Paradigm: A Review. The Open Pharmacology Journal. V 4. N. 1. 2010.

file:///C:/Users/User/Downloads/Elucidating_GABAB_and_GABAB_Receptor_Functions_in_%20(1).pdf

Westermeyer, J., Carr T.M. Zolpidem-Associated Consequences: An Updated Literature Review With Case Reports. Journal of Nervous and Mental Disease. V. 208, n. 1, 2020.

https://journals.lww.com/jonmd/Abstract/2020/01000/Zolpidem_Associated_Consequences__An_Updated.5.aspx

Siga-me nas redes sociais:

Gostou desse artigo? Deixe um comentário!

Temas Relacionados

Postagens mais recentes