Cris Mochny

Benefícios e os riscos do uso da melatonina para insônia

Este artigo tem como objetivo esclarecer sobre os efeitos da melatonina no organismo. A liberação da ANVISA para o mercado brasileiro, sem a necessidade de prescrição médica, facilitou o acesso das pessoas à melatonina e é importante falar sobre possíveis benefícios e riscos do uso crônico desta substância. O uso de melatonina para tratar a insônia persistente não foi aprovado pela Agência. Muitas pessoas buscam a melatonina como uma alternativa “natural” para aliviar a insônia, sem conhecer os riscos do uso crônico deste hormônio. Entenda o posicionamento da ANVISA em relação à melatonina No dia 15 de Outubro de 2021, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou uma nota (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-autoriza-a-melatonina-na-forma-de-suplemento-alimentar ) informando sobre a aprovação da melatonina como suplemento alimentar. Na prática, a partir de então, a indústria farmacêutica e de suplementos alimentares poderá oferecer produtos de uso oral (cápsulas, comprimidos, soluções em gotas etc.) com melatonina destinadas exclusivamente a pessoas com idade maior ou igual a 19 anos, para uso de no máximo 0,21mg por dia. Os suplementos alimentares são produtos de venda livre, portanto podem ser comercializados sem prescrição médica. A nota ressalta ainda que os produtos com melatonina “deverão conter advertência de que o produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante”. Muito importante observar também que a ANVISA recomenda que “as pessoas com enfermidades ou que usem medicamentos deverão consultar seu médico antes de consumir a substância” e que “não foram aprovadas alegações de benefício associadas ao consumo de suplementos alimentares à base de melatonina” (ou seja, o fabricante do suplemento não pode fazer propaganda ou sugerir que o produto com melatonina irá promover algum efeito terapêutico ou benefício à saúde). A ANVISA destacou ainda que avaliou a eficácia e a segurança da melatonina devido ao interesse dos consumidores e do setor produtivo. (acesse o relatório final da análise técnica feita pela ANVISA aqui ( https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/proposta-de-consulta-publica-inclui-a-melatonina-como-constituinte-autorizado/analise-da-seguranca-e-eficacia-da-melatonina_versao-para-publicacao.pdf ) O que é melatonina e como ela funciona? A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é um hormônio promotor do sono, produzida e secretada pela glândula pineal, estrutura localizada no cérebro, no sistema nervoso central. Sua secreção ocorre no organismo de todos os vertebrados e sua principal função é regular os circuitos neuronais do sono e do ciclo circadiano, mas ela é capaz de atuar em vários sistemas do corpo. A melatonina causa sonolência e redução da temperatura do corpo, fatores que contribuem para o início do sono. A ação da melatonina ocorre quando as moléculas desse hormônio, uma vez na corrente sanguínea, encontram seus alvos: os receptores. Além de atuar nestes alvos, a melatonina tem ações dentro das células, onde tem função antioxidante, participando de reações químicas dentro da mitocôndria. Estas ações ocorrem em várias regiões do cérebro e outras partes do corpo, como no coração e em artérias, glândula adrenal, rins, pulmões, fígado, intestino, adipócitos (células de gordura), ovários, útero, mamas, próstata, pele e linfócitos (células do sistema imune). Os efeitos da melatonina dependem do local do corpo onde ela atuar. A produção de melatonina no corpo humano A melatonina é produzida pela glândula pineal quando há ausência de luz. O escuro é detectado por células dos olhos, que se comunicam com o núcleo supraquiasmático, que fica no hipotálamo. Ao receber esse estímulo, este núcleo envia sinais por um circuito que estimula as células da glândula pineal a produzirem e secretarem melatonina. Por isso é tão importante diminuir a luz ambiente nos momentos que antecedem a hora de ir dormir! Figura 1: Circuito neural que regula a produção de melatonina a partir da luz. A luz é um estímulo que inibe o circuito. A ausência de luz (escuro) é detectada por receptores nos olhos, que enviam sinais através do trato retinotalâmico até o hipotálamo, no núcleo supraquiasmático – o popular “relógio biológico”. Os neurônios desta área enviam sinais para neurônios do gânglio cervical superior que por sua vez estimulam a glândula pineal a produzir melatonina. A melatonina é sintetizada a partir do aminoácido triptofano (figura 2) e lançada na corrente sanguínea. A síntese da melatonina na glândula pineal aumenta à medida que a luz ambiente diminui e atinge seu pico entre 2:00h 4:00h da manhã. Em idosos, a glândula pineal produz menos melatonina, uma possível explicação para a insônia nesta faixa etária. Em recém-nascidos, a produção de melatonina é muito baixa até os 3 meses de idade, e a melatonina do bebê vem do leite materno. À medida que a criança se desenvolve, a produção de melatonina aumenta e passa a ser regulada pelo ciclo claro-escuro. De acordo com estudos realizados com crianças, o ciclo de regulação da melatonina é estabelecido por volta dos 3 anos de idade (Tordjman et al., 2017). Figura 2: Síntese da melatonina no corpo humano. O principal local de produção da melatonina é na glândula pineal, no cérebro. As células (pinealócitos) usam o triptofano como “matéria-prima”. A enzima triptofano-5-hidroxilase transforma o triptofano em 5-hidroxitriptofano, e este é transformado em serotonina pela enzima 5-hidroxitriptofano descarboxilase. A serotonina é então convertida em melatonina pela ação de duas enzimas (AA-NAT e ASMT) A melatonina também é produzida em outros locais do corpo além da glândula pineal, como em células da retina, plaquetas, linfócitos e no trato gastrointestinal. A circulação de melatonina no trato gastrointestinal depende da ingestão do aminoácido triptofano. No intestino, a concentração de melatonina é de 10 a 100 vezes maior que a concentração de melatonina no sangue (Tordjman et al., 2017) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5405617/pdf/CN-15-434.pdf ) Fitomelatonina: a melatonina produzida pelas plantas As plantas também podem produzir melatonina, que neste caso é chamada de fitomelatonina por ser de origem vegetal. A via de síntese é diferente nas plantas. Por ser encontrada em alimentos e ter suas funções metabólicas bem caracterizadas, a melatonina atende a definição de substância bioativa, podendo assim ser usada como suplemento alimentar.A tabela abaixo mostra as quantidades aproximadas de melatonina em alguns dos alimentos de origem vegetal: *pg/g = picograma por grama (1 picograma = 0,000000000001g)**ng/g = nanograma por grama (1 nanograma = 0,000000001g)Fonte: